Crônicas Diversas

REMINISCÊNCIAS INESQUECÍVEIS

“Mais além, quando passarem os anos, rememoraremos todos estes instantes; quantas coisas haverão de surgir dessa recordação. O essencial é tratar de enriquecer os fatos que causarão alegria e bem-estar no futuro convertidos em recordações.”

C.B. González Pecotche

Conferências – Tomo II – página 76/03

 01 –  A BUSCA DA VERDADEIRA  LIBERDADE

Muitas vezes, se não projetarmos o que deveremos realizar, mesmo que no futuro apareça a oportunidade, iremos perdê-la, pois não iremos concretizar aquele pensamento que aparecera anteriormente. No caso apresentado é essa possibilidade que conseguimos concretizar de forma clara e evidente. O objetivo é demonstrar, de alguma forma, que tudo foi o resultado da atuação de um pensamento.

Gostaria de relatar uma experiência que ocorreu quando eu era relativamente mais jovem. Naquela época concluí que havia conquistado tudo o que basicamente considerava importante para mim. Explicando melhor, acreditava que a fórmula normal seria contribuir para obter o teto máximo de aposentadoria dos órgãos encarregados do Governo Federal, mas tinha consciência de que esses benefícios não eram elevados.

Mais tarde, estava querendo me aposentar independentemente dos valores que iria receber. Achava que poderia sobreviver com os bens que possuía. Talvez não sobrevivesse com luxo, mas pelo menos viveria confortavelmente, e compreendia que não teria maiores problemas.

Senti que isso era uma falha nas previsões feitas anteriormente, e que eu deveria ter estudado melhor a questão, mas era a minha realidade naquela época. Não estava aborrecido com nada daquilo que tinha realizado.

Fui advogado a vida inteira, havia conseguido adquirir alguns bens e, de certa forma, estava feliz com tudo o que tinha acontecido. Entretanto, esta era a minha preocupação.

DRAMA DO RAIMUNDO

Tinha um amigo que se chamava Raimundo. Conheci-o há tempos, quando ele estava com cerca de 60 anos. Passaram-se algumas décadas e nos tornamos muito amigos, pois frequentávamos a Fundação Logosófica. Sempre que nos encontrávamos, conversávamos um bocado. Ele havia sido um bom advogado e ganhou algum dinheiro razoável para viver confortavelmente o resto da vida. Era casado e tinha uma filha bastante radical, mas ele não se importava tanto com isso. Quer dizer, importava-se sim, mas não havia fórmula para amenizar aquela tendência que era própria dela. Com o passar dos anos a esposa de Raimundo faleceu. Não sei se a filha deles havia se casado, mas ela morava perto da casa dos pais depois que se tornou adulta.

Algum tempo depois, Raimundo me informou que havia chegado a uma idade meio avançada e não podia continuar vivendo como antes, sozinho, controlando todas as suas finanças.

Achava que sua filha não estava mais tão radical como antigamente e, depois de pensar um bocado, resolveu doar seu apartamento e também todos os seus bens, inclusive seu dinheiro, para ela. Acreditava que havia mudado ou melhorado aquela sua maneira de ser. Entretanto, descobriu, posteriormente, que ela continuava tão radical, ou até mais que antes.

– Eu pensava que quando chegasse a uma determinada idade a liberdade não seria tão importante para mim, mas, na verdade, era fundamental e estava em primeiro lugar. De forma que foi um grande equívoco quando doei todo o controle do dinheiro que tinha para minha filha. Ela passou a me dar apenas o suficiente para ir à Fundação Logosófica e voltar. E ainda estabeleceu a seguinte condição: eu deveria retornar a nossa casa até as 21:00 horas.

– Estranho tudo isso – respondi.

– Contudo, ao me dar dinheiro somente para minha passagem de ida e de volta até a Fundação Logosófica, tirou toda a minha liberdade de fazer as doações para suas campanhas financeiras, como sempre fiz em toda a minha vida. Agora eu queria doar alguma quantia, mas fui impedido por esse motivo. Ora, isso passou a ser um desgosto enorme.

– Quer dizer que perdeu toda a sua liberdade? – perguntei.

– Sim, perdi. Além disso, em um determinado dia, cheguei alguns minutos atrasado em casa e, apesar de bater na porta várias vezes, minha filha não a abriu. Obrigou-me a passar a noite toda na varanda da casa, não obstante o frio que estava fazendo. Fiquei desesperado com aquela situação. Senti que iria morrer…

No início fiquei com dúvidas a respeito desse radicalismo. Será possível que a filha tivesse tirado toda a liberdade do pai, Raimundo, para decidir as coisas, realizando atos tão esdrúxulos para um senhor naquela idade?

– Não acredito que ela fosse tão rígida dessa forma – disse-lhe então.

Raimundo me olhou, ponderou um pouco, e disse-me calmamente:

– Acho que você não está acreditando no que estou lhe dizendo. Se você quiser eu posso te mostrar como é terrível a minha vida, porque eu não sou mais o mesmo do meu passado. Tenho que fazer tudo o que ela manda. Isso me fez perder toda a minha liberdade para continuar vivendo o tempo restante da minha vida…

Algum tempo depois, ele faleceu. Aprendi com aquele episódio que a liberdade é um valor de fundamental importância e que deveria ser preservada a todo custo, mesmo depois de envelhecermos bastante.

 

O EXEMPLO DE ANDRÉ

Lembrei-me também de André, avô do meu genro, Eduardo. Ele gerenciava uma estação de trem numa cidade no interior do Estado de Minas Gerais. Durante sua vida foi juntando algum dinheiro e aplicando-o no mercado financeiro. Com o passar do tempo, ele e sua esposa envelheceram. Um dia, ele ficou muito doente e acabou morrendo, mas deixou meios para que sua esposa vivesse confortavelmente, sem passar dificuldades, pelo resto de sua vida. Havia sempre algum dinheiro para seus gastos pessoais.

Outrossim, ele realizou vários tipos de seguros que ofereciam renda suficiente para sua esposa poder viver muitos anos sem depender de ninguém, pois não tinha qualquer dívida. Seu apartamento possuía dois quartos e uma boa sala, com uma bela vista do mar de Copacabana e todas as outras despesas estavam pagas, até o valor do seu túmulo no cemitério, onde escolhera para ser enterrado. Tinha sido um bom exemplo de liberdade para eu observar, com admiração.

 

COMPRA DE UM ENORME APARTAMENTO

Tempos depois um cliente apareceu em nosso escritório de advocacia, pois queria que eu analisasse a documentação de um imóvel importante que desejava comprar em Ipanema. Acompanhei-o para ver o apartamento, que era enorme, e tirar as dúvidas existentes. Ao chegarmos lá encontramos a proprietária que vivia com seu filho menor, que deveria ter seus 16 anos.

Fiquei encantado com a decoração e com a visão belíssima do mar de Ipanema. Destarte, depois de vermos o imóvel, perguntei àquela senhora por que estava querendo vendê-lo. Inclusive, afirmei, que se eu fosse proprietário daquele apartamento iria querer que minha esposa vivesse ali toda a parte restante da sua vida. Ela, olhando-me, pediu que eu me sentasse e também se sentou. Então, com a devida calma, explicou-me o seguinte:

– Olha, este apartamento pertencia ao meu marido, que era um tabelião. Ele comprou esse imóvel para que eu vivesse aqui a parte restante da minha vida. Nós tivemos mais dois filhos, além desse que vive aqui comigo, um rapaz e uma moça que já estão casados há alguns anos. Meu marido havia conversado com nossos filhos e explicou que tinha comprado aquele apartamento para mim e eles deveriam me ajudar em todas as necessidades que eu tivesse para poder viver tranquilamente, pois ele havia ajudado muito os filhos para se estabelecerem de diversas formas. Com esse auxílio eu deveria conseguir comprar os alimentos indispensáveis, roupas, ir aos meus concertos musicais, realizar viagens, viver como ele previa e como sempre sonhara em toda a sua vida, inclusive para pagar os impostos devidos, e também as despesas condominiais daquele edifício. Eles haviam concordado com a proposta do meu marido, naquela época. Tempos depois ele faleceu. Teoricamente, meu marido teria cumprido com seu desejo de outorgar um bom lugar para eu morar depois que envelhecesse.

Posteriormente, parou um pouco, ficou olhando calmamente para aquele belíssimo apartamento,  e continuou:

– Preciso dizer que amo os meus filhos e não estou me queixando de nenhum deles, pois sabemos que dinheiro é algo difícil de ganhar. Eles me ajudavam, porém eu recebia o dinheiro com muito atraso, vivia com muitas dificuldades financeiras, ficava devendo o pagamento dos impostos e o valor das despesas condominiais por vários meses. Tentava sobreviver, mas com o passar dos anos isso se tornou um problema de difícil solução. Como eu lhe disse, gostaria de frisar que não estou falando mal dos meus filhos, pois todos eles são seres humanos os quais admiro muito por tudo aquilo que estão tentando realizar. Eles se casaram e estão tendo muitas despesas normais, principalmente depois que seus filhos nasceram, pois precisam sempre de mais e mais dinheiro, apesar de ganharem suficientemente.

Parou então e, depois, continuou:

– Quer dizer, o problema é que tudo aquilo em que meu marido havia pensado não está dando certo por variadas razões, que não puderam ser previstas. Então, as despesas condominiais estão atrasadas por muitos meses, bem como os impostos e taxas incidentes. Tudo está sendo pago com muito atraso, sempre com multa. Estou vivendo um inferno nesta vida, totalmente diferente do que meu marido havia projetado antes de morrer.

Prosseguiu seu relato, após descansar um pouco:

– Analisando todas as dificuldades que surgiam, compreendi que não era possível viver dessa forma tão sofrida e, depois de pensar bastante, resolvi vender este apartamento espetacular. Acho que assim poderia pagar todas as dívidas, compraria um apartamento menor, onde passaria a morar, e aplicaria o saldo restante no mercado financeiro. Com o dinheiro que rendesse dessa aplicação, eu conseguiria sobreviver dignamente. É por isso que estou vendendo este imóvel. Compreende?

– É claro – respondi.

Eu disse àquela senhora que sua decisão foi acertada, pois eu também entendia que as pessoas, apesar de se tornarem idosas, precisavam de dinheiro e de liberdade para usufruir dos prazeres da vida.

 

A OUTORGA DA LIBERDADE À PESSOA IDOSA

Compreendi, de outro lado, ao ouvir toda aquela história do Raimundo, do André, e daquela senhora que estava vendendo seu apartamento, que preservar a própria liberdade, mesmo depois de nos tornamos idosos, é uma questão de importância fundamental. Naquele momento firmei um grande propósito de nunca abrir mão da verdadeira liberdade que tiver conquistado em minha vida, não importa a idade em que estiver.

Fiquei pensando que havia idealizado minha vida para depois que envelhecesse bastante. De alguma forma supunha que minhas três filhas nos ajudariam quando isso acontecesse, mais tarde. Essa era uma prática utilizada no Japão, principalmente com o filho primogênito. Porém, dúvidas existiam a respeito…

Outrossim, pensei em Gisele, minha esposa, e achei que ela precisaria possuir uma fonte de renda própria para, basicamente, não depender das filhas para sobreviver quando envelhecesse.

De repente senti que nisso estava a essência do que procurava para que ela se tornasse uma pessoa com plena capacidade para fazer aquilo que achasse importante. Não obstante, a questão era como realizar isso?

Eu sabia da importância fundamental da liberdade em nossa vida. Achava, entretanto, que a verdadeira liberdade era destinada aos jovens ou às pessoas de meia idade, nunca para quando envelhecessem.

Fiquei, destarte, muito preocupado quando ouvi pessoas de alguma idade, como no caso de Raimundo, dizendo que haviam perdido sua liberdade. Essa foi uma grande questão que me ocorreu naquela oportunidade. Consequentemente, pensei na minha liberdade, ou melhor, na liberdade de Gisele depois que eu viesse a falecer, pois pressupunha que normalmente eu deveria morrer primeiro.

Naquela época eu havia estabelecido o propósito de que quando deixasse de atuar na advocacia, passaria a trabalhar com restaurantes porque minha cunhada, Clara, era uma especialista na área. Eu havia providenciado tudo para a abertura do seu primeiro restaurante em meados da década de 1980 e havia participado com várias ideias para que melhorasse o funcionamento do negócio, pois eu era seu sócio. Era uma experiência interessante, porém nem sempre dava certo.

Destarte, face às diversas discussões que existiam, sugeri que os dois restaurantes que possuíamos, um em Botafogo e outro no centro da cidade, deveriam ser separados, um ficando com Clara e, o outro, comigo.

Dessa forma, relembrei-me daquela ideia de que eu deveria criar uma fonte de renda para Gisele preservar a sua liberdade depois que envelhecesse e aquela oportunidade havia aparecido. Ora, dizia para mim mesmo que eu conhecia muitas regras de administração de empresas.

Na realidade, ao falar-lhe a respeito, Gisele não havia gostado, dizendo que isso não daria certo. Porém, insisti, e melhor que isso, não fiquei com qualquer cota social em meu nome, porque se eu ficasse como sócio, Gisele viria recorrer a mim caso ocorressem problemas.

Meu objetivo era que ela não se tornasse dependente de mim. Queria que fosse independente. Eu ficaria no escritório apenas para realizar outros trabalhos e servir para resolver os problemas jurídicos quando  acontecessem. Na realidade a ideia foi oficializada em 2001. Sentia que havia de perder alguma coisa ao buscar outras conquistas talvez mais valiosas.

Sabemos que Gisele será sempre a dona da sua liberdade, independente da idade que tiver, e suas opiniões serão sempre ouvidas e levadas em conta.

02 – COMO UM PENSAMENTO SE DESENVOLVEU E FINALMENTE CONCRETIZOU-SE

Este é um relato de como um pensamento que apareceu numa oportunidade, conseguiu se desenvolver e concretizou-se em eventos importantes, apesar das diversas questões que apareceram. 

Outro dia estive com um amigo, que também estudava Logosofia, chamado Pedro, que demonstrou como um pensamento se desenvolvia. Ele já era avô e tinha um neto, Bruno, cujo contato considerava complicado porque aquela criança, que deveria ter uns quatro anos de idade, era difícil: não seguia nenhuma instrução, espalhava suas coisas pela casa e demonstrava ser um revoltado.

Entretanto, Bruno também apresentava aspectos positivos como ouvir a opinião dos avós. Assim, esse meu amigo conjecturava que a obrigação de corrigir os filhos era dos pais e os avós ficariam mais livres desse compromisso. Será?

Naquela época, de vez em quando Bruno passava os finais de semana na casa desse meu amigo. Assim, Pedro pensou em tomar café na padaria próxima a sua casa e resolveu levar seu neto. Ele observava o que ocorria com Bruno porque, estranhamente, aquela criança gostava de ir àquela padaria.

Pedro constatou que quando iam tomar café, Bruno ficava um tempo em uma banca de jornal que havia em frente. Na verdade, aquela criança ficava entretida com os jogos e figurinhas que via naquela banca.

Para meu amigo aqueles jogos eram insignificantes, inclusive pelo valor. Seu neto sempre pedia para comprar figurinhas, jogos, álbuns e Pedro concordava. Então, aquele café, que no início era meio sem graça para uma criança, passou a ser um grande divertimento para Bruno, pois tinha grande interesse em comprar suas revistinhas.

Porém, seu neto não pedia muitas coisas porque a mãe dele achava ruim, dizia que não deveria abusar da bondade do avô. Pedro dizia para Bruno comprar algumas revistas para a irmã dele, que geralmente não ia tomar café com eles, e aquela criança as escolhia sem problemas.

Aquele café, que inicialmente era uma forma de aproximação com seu neto, se tornou um grande incentivo àquela criança, que sempre queria ir à casa de Pedro para tomar café junto com seu avô. Este era um pretexto para ir àquela banca de jornal.

Tempos depois, como a outra filha de Pedro morava em Minas, de vez em quando ele a visitava com sua esposa, pois tinha mais dois netos, praticamente da mesma idade dos que moravam no Rio.

Enquanto estavam lá, surgiu uma conversa meio estranha, onde ficou claro que Pedro tinha boa situação financeira, embora não fosse verdadeiro.

De repente, Bruno, que já estava com uns seis anos, disse o seguinte:

– Vovô, se você tem tanto dinheiro assim, quando eu fizer 18 anos, poderia comprar um carro para mim.

Pedro pensou um pouco e respondeu:

– Olha, eu não posso fazer isso porque um carro custa muito dinheiro.

No entanto, pensando um pouco, afirmou:

– Só se sua mãe ajudar bastante.

A conversa, de certa forma, morreu ali, pois ninguém mais tocou no assunto. Entretanto, aquele pensamento estava vivo na mente de Pedro, porém ele pensou que esse negócio de dar carro para os netos não era uma coisa boa, pois eles ganharão numa idade na qual não terão condições de valorizarem tamanho prêmio. Inclusive, poderia torná-los em jovens mimados.

Contudo, depois daquilo, Pedro começou a pensar na vida de seus netos e achou que aquela ideia que teve no início, de que esse presente não traria bons resultados para eles, não estava correta. Na verdade, lembrou o que havia ocorrido com a família Kennedy, na qual cada filho recebera um milhão de dólares, percebendo que presentes desse tipo não fariam tão mal assim. Talvez não fosse recomendável, mas de outro lado, poderia ser um incentivo.

Depois, Pedro, analisando a questão, se deu conta de que tinha quatro netos naquela época e, desse modo, não poderia presentear apenas Bruno, o quarto neto, pois não seria justo. Quer dizer, concluiu que não poderia dar carro para nenhum deles e que o assunto realmente iria morrer ali.

De outro lado, Pedro pensou que se seus netos ganhassem o carro poderiam sair à noite, teriam um início de vida melhor em muitos sentidos, principalmente para irem à faculdade. Pensou intimamente que talvez eles ficassem gratos a ele, porque o presente também seria uma manifestação de preocupação e de carinho. Contudo, Pedro ainda não havia decidido que daria o carro para seus netos e não estava falando a respeito com ninguém.

Tempos depois, seu neto mais velho, Paulo, que morava em Minas, já estava fazendo 18 anos, e nessa ocasião a GM estava vendendo um carro da linha popular em condições muito favoráveis, com ar condicionado e direção hidráulica. Pedro estava com uma situação financeira equilibrada e, de repente, surgiu o seguinte pensamento:

– Vou comprar esse carro para meu neto Paulo!

Pedro conversou com sua filha, mãe de Paulo, e ela não queria que ele fizesse isso de jeito nenhum, porque achava um absurdo. Pedro se perguntava: será isso possível? E concluía que tudo era uma questão de opção. Assim, ele comprou o carro. Seu neto, Paulo, não esperava por aquele presente e ficou feliz da vida.

Pedro pensou que agora teria que comprar um carro para cada um dos outros três netos, embora não tivesse obrigação, mas era sua vontade que todos eles tivessem seu próprio carro.

Dois anos depois, a irmã de Paulo, Fernanda, fez 18 anos e Pedro comprou um carro para ela também, um GOL, com as mesmas condições, que seriam ter o ar condicionado e a direção hidráulica. No ano posterior, a outra neta, Carolina, fez 18 anos e Pedro comprou um carro para ela também. Meu amigo ficou muito feliz com tudo aquilo.

Aproximadamente dois anos depois, seu neto Bruno, aquele que havia pedido o carro quando era ainda uma criança, fez 18 anos e finalmente ganhou seu presente. Na verdade, o jovem não sabia se o ganharia, mas ele presumia que sim. Após ganhar o carro, Bruno ficou muito feliz. Os netos de Pedro tiveram dificuldades normais para aprender a dirigir, mas todos conseguiram.

Realizar esse tipo de objetivo era considerado algo impossível e não recomendável, porém Pedro conseguiu concretizar seu propósito.  De outro lado, quando se fala que todo pensamento cultivado é possível de se realizar, podemos ver que esta é uma grande verdade, não há como contestá-la.  Como dizia Pedro:

– Eu não tinha esse dinheiro, mas consegui comprar os quatro carros para os meus quatro netos, porque sabia que tudo aquilo era resultado do desenvolvimento de um pensamento.

            Esta é mais uma demonstração de como o desenvolvimento do pensamento pode ser realizado, pois Pedro conseguiu concretizá-lo. Tudo isto que foi explicado representa, sem qualquer dúvida, que não se trata de um milagre, mas de fatos reais que qualquer pessoa pode executar com total sucesso.

03  –  ROBERTO SEGUIU OS PENSAMENTOS DO PAI 

A forma como Roberto conduziu sua vida profissional foi um dos grandes exemplos que sempre cultivei, pois conheceu e perseguiu implacavelmente grandes pensamentos transformando-os em importantes realizações. Quer dizer concretizou tais pensamentos efetivamente.

Depois de trabalhar nove anos e meio em uma grande empresa aérea, Roberto modificou suas atividades: abriu uma fábrica de refrigerantes, construiu uma transportadora de bebidas e, posteriormente, comprou fazendas para criar milhares de cabeças de gado. Ele captou a maioria dos ensinamentos do seu pai, que também afirmava que deveria ser organizado, e Roberto é extremamente organizado, além de ter uma visão gigante. Inclusive, foi muito bem sucedido profissionalmente.

No final de 1956, ele estava se organizando para ganhar dinheiro na cidade de São Paulo para sustentar sua família. Uma das ideias que então surgiu foi abrir uma farmácia. Foi constituída uma empresa e ele cuidaria da parte comercial, enquanto, seu sócio, da compra e da aplicação dos remédios nos clientes porque tinha prática na área. Depois de diversos graves desentendimentos, eles decidiram acabar com a sociedade.

Acredito que Roberto nunca recebeu o que lhe era devido, e aqueles acontecimentos transformaram a vida dele, tornando-o numa pessoa muito desconfiada, que nunca falava a respeito de seus negócios para ninguém.

Posteriormente, Roberto foi trabalhar em uma empresa que instalava iluminação para “outdoor” de grande porte e para letreiros no alto dos prédios. Ganhava um salário mínimo. Nessa ocasião, eu, que era muito seu amigo, estava trabalhando na empresa Leite Paulista e recordo-me que fui visitá-lo em seu trabalho.

Dirigi-me a um dos edifícios mais famosos de São Paulo, chamado Martinelli, observando a belíssima decoração que existia então, agora abandonado. Subi ao terraço, onde Roberto estava trabalhando, e conversamos muito.

Perguntei como estava e ele respondeu que estava tudo bem, principalmente após ter saído da farmácia, pois se sentia mais calmo. Mostrou-se decepcionado, olhou-me e afirmou de forma contundente:

– Essa situação difícil é algo que nunca tinha desejado à minha família, nem a mim mesmo. Sairei deste trabalho e ficarei muito rico, não importam os obstáculos a enfrentar, mas sem fazer qualquer trapaça.

Aquilo emocionou-me bastante. Dias depois ele se inscreveu em um curso de telegrafia e, quando começou a frequentar as aulas, soube que uma famosa companhia de aviação estava precisando contratar profissionais. Roberto se candidatou e foi contratado, tornando-se comissário de bordo de voo nacional aos 23 anos de idade.

Após alguns meses, passou a trabalhar em voos internacionais, atividade que estava iniciando então, pois falava japonês e um pouco de inglês. Foi selecionado e começou a viajar muito para os EUA, Europa, Japão, Moscou, enfim, viajou o mundo inteiro.

Ele sempre quis ganhar mais dinheiro, por isso trazia produtos do exterior para vender, pois eram novidades por aqui. Naquela época, final da década de 1950, as viagens internacionais eram poucas e caras, quase ninguém viajava, inclusive não havia ponte aérea. No início, Roberto trazia vestuário, depois se especializou e começou a trazer produtos mais valiosos, raros, pequenos, e em maior quantidade, para vender aos conhecidos.

Após a desgastante experiência naquela farmácia, Roberto passou a ser altamente econômico e preciso em seus negócios, dificilmente era enganado. Supõe-se que possuía uma alta quantia aplicada nos bancos, contudo não comentava a respeito com ninguém.

Recordo-me que alguns anos depois comprou uma casa ampla, recém-construída, perto do aeroporto de Congonhas, e levou toda a sua família para viver em conjunto.

No entanto, naquela época, ele veio a conhecer sua esposa, uma japonesa que pertencia a uma boa família do Japão e era uma artista de alto nível, fazia quadros e objetos de grande renome. Ela era considerada uma pessoa bastante moderna.

Eu já estava casado, morando no Rio de Janeiro, mas ele pretendia morar naquela casa com sua esposa, sua mãe e seus irmãos. Contudo, concluiu que seria melhor alugar outra casa para morar com sua esposa.

Pouco tempo depois, Roberto comprou um automóvel “Oldsmobile”, praticamente novo, e nos levava sempre para passear. Ficamos impressionados porque pouquíssimas pessoas possuíam carros naquela época.

 

A FÁBRICA DE REFRIGERANTES

Depois de ter viajado pelo mundo inteiro trabalhando como chefe dos comissários de bordo, ao completar nove anos e meio de empresa, ele deixou de trabalhar lá, como resultado de um acordo. Entretanto, Roberto estava preparado para isso e, assim que deixou de trabalhar na aviação, seguiu para Ribeirão Preto onde negociava, há algum tempo, a compra de uma pequena fábrica de bebidas que estava quase fechando suas portas.

Eu estava de férias naquele período, fui àquela cidade para visitá-lo e ele me levou para ver a referida fábrica. Ao chegarmos, o proprietário estava tentando consertar a máquina de refrigerantes e, após algum tempo, conseguiu consertá-la. A máquina começou a funcionar. Logo depois eles me deram um pouco de refrigerante de maçã para experimentar. Eu achei uma delícia. Senti, naquela hora, que aquela bebida faria bastante sucesso no interior do Estado de São Paulo.

Roberto decidiu comprar a fábrica depois de reunir seus dois grandes amigos de São Paulo para formar sociedade. Posteriormente, eles se mudaram para Ribeirão Preto e começaram a trabalhar. Ele havia se tornado um rigoroso controlador de dinheiro, especializou-se em controlar custos, transformando-se em um administrador excepcional.

Entretanto, Roberto concluiu que seus sócios não correspondiam ao que ele pretendia na fábrica. Na verdade, ele havia visitado diversas fábricas em suas viagens pelo mundo inteiro e sabia como aplicar técnicas avançadas para desenvolver uma fábrica onde tudo funcionaria automaticamente, inclusive com grande higiene.

Na medida em que a empresa crescia precisavam investir cada vez mais para adquirir novos equipamentos. Contudo, praticamente, o único que aplicava dinheiro naquela atividade era ele, mas todos tinham o mesmo direito de aumentar a sociedade em percentuais equivalentes. Esses aumentos de capital começaram a ficar frequentes. Outrossim, os sócios decidiram vender suas ações para ele, que tornou-se praticamente o único proprietário da empresa.

Ele havia comprado uma fábrica muito pequena, com maquinário velho e tornou-a mil vezes maior. Construiu um prédio novo enorme, preparou toda a base, modernizou todos os equipamentos permitindo que o processo de produção e embalagem das bebidas fosse automático, adquiriu higienizadores de água, muitos tanques de gás. Realizava todos os testes de qualidade exigidos pela lei, construiu laboratórios que preparavam o xarope e a empresa tornou-se gigante. Exigia que fosse tudo limpíssimo. Também colocou uma placa imensa na fábrica com o nome da empresa, bem como em cada caminhão que possuía.

No início daquela atividade, ele comprou várias “Kombis” e demarcou diversas áreas da cidade de Ribeirão Preto para distribuir gratuitamente algumas garrafas dos seus refrigerantes aos moradores. Se gostassem poderiam comprar na semana seguinte, pois o produto seria entregue uma vez por semana. Consequentemente, grande número de pessoas gostava dos refrigerantes, fazia novos pedidos e se tornava cliente, ou seja, milhares de pessoas faziam os pedidos.

Depois de vender em toda Ribeirão Preto, começou a comercializar nas proximidades, avançando cada vez mais em direção a diferentes cidades. Para transportar os refrigerantes até as cidades do interior do estado de São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Paraná e Rio de Janeiro, construiu outra empresa, de caráter individual, para realizar o transporte das bebidas. Para tanto, comprou muitos caminhões e contratou vários motoristas. Porém, antes de contratá-los todos eram submetidos a exames rigorosos. Roberto os acompanhava nas primeiras viagens e ficava observando tudo, era rigorosíssimo.

Há 30 anos possuía uns quarenta caminhões e, com o passar dos tempos, adquiriu muito mais. Roberto sabia o itinerário que cada motorista deveria fazer e, quando o caminhão retornava, verificava a quilometragem. Se estivesse a mais, o motorista deveria explicar por que ultrapassou a distância estabelecida, e se o carro estivesse se desgastando rapidamente, ele trocava de motorista.

Roberto sempre experimentava, aleatoriamente, as bebidas que produzia para manter o padrão de qualidade e exigia que fossem comercializadas em uma embalagem altamente higiênica, esteticamente apresentável. Os caminhões eram limpíssimos, assim como os engradados das bebidas.

Na verdade tudo aquilo funcionava como uma máquina complicada, mas bem azeitada, de forma impressionante.  

 

OUTROS NEGÓCIOS

Simultaneamente a esta atividade, Roberto resolveu investir em invernadas de cabeças de gado. Recordo-me que, em determinada ocasião, ele comprou uma imensa fazenda em Mato Grosso do Sul, pois ao lado daquelas terras corria um grande rio com muitos peixes, e Roberto sempre gostou muito de pescar. Inclusive, comprou lanchas bem modernas para aproveitar seus raros momentos de lazer.

Quando adquiriu aquela fazenda, só havia mato no local, mas ele a transformou em um belíssimo pasto com diversos tipos de capim. A região ficou tão fantástica que dois cantores sertanejos muito famosos começaram a insistir em comprá-la. Ele se recusou a vendê-la por uns dois ou três anos, no entanto, como continuavam insistindo, estabeleceu um preço bem alto para que desistissem da ideia. Porém, para sua surpresa, concordaram em pagar aquele valor e Roberto a vendeu porque não havia mais saída.

Posteriormente, comprou uma imensa fazenda ao norte do Estado de Goiás, e quase morreu porque frequentemente era picado por alguns insetos. Roberto construiu vários lagos em sua fazenda para fazer criação de peixes, que eram comercializados a grandes indústrias. Vários pés de coco foram plantados por ele mesmo, pois sempre dizia que queria ganhar dinheiro dia e noite, sábados, domingos e feriados. Além disso, possui milhares de cabeças de gado. Como se vê, Roberto sempre representou um bom modelo de visão gigante, ou seja, desenvolveu em tese os grandes pensamentos que seu pai tinha.

04 – SÃO AS GUERRAS INDISPENSÁVEIS?

Entendo que as leis universais estão sempre em vigor, pois elas foram criadas por Deus, sem que precisemos interferir. Diferentemente das leis dos homens, que precisam ser reformadas constantemente porque, depois de algum tempo, tornam-se injustas.

– Até que ponto numa guerra um jovem, teoricamente inocente, deve matar outro jovem igualmente inocente como ele?

Quer dizer, uma grande questão aparece no momento:

– Quem provocou esse drama? Foram aqueles que tiveram grandes interesses econômico-financeiros com fins particulares.

Ao lembrarmo-nos da trajetória do Presidente Kenedy, sabemos que os EUA realizaram estudos profundos sobre o comunismo na guerra do Vietnã. Contudo, talvez por essa razão, ele sabia que aquele regime não teria futuro. Na verdade, ele havia participado da Segunda Guerra Mundial e retornado com gravíssimas sequelas.

Sabia-se, outrossim, que o Presidente Kenedy havia conseguido segurar as forças armadas dos EUA no caso dos mísseis de Cuba atrelados com bombas atômicas soviéticas alguns meses antes, contrariando todas as indicações dos militares, eliminando uma provável Terceira Guerra Mundial. 

De outro lado, as indústrias de armas do mundo inteiro, juntamente com as Forças Armadas e a máfia envolvida, queriam fortemente que os EUA entrassem naquela guerra, pois venderiam milhares de equipamentos bélicos. Os Estados Unidos poderiam representar não só a aquisição de tantas armas de todos os tipos, mas também de navios de guerra, aviões, helicópteros, submarinos, computadores com grande potência, serviços de espionagem, roupas, alimentos, o que significava uma grande atração para os investidores do setor. Eles, os investidores de armas bélicas, queriam a guerra para ganhar mais e mais dinheiro. Porém, além disso, representava na verdade uma questão de sobrevivência, pois poderiam perder seus empregos e ainda ter que demitir milhares de pessoas. 

Assim, analisavam profundamente o que poderia ser feito para que aquele combate se iniciasse efetivamente. Concluíram, depois de pensarem bastante, que teriam de matar o Presidente Kenedy, pois ele, supostamente, era contra a guerra do Vietnã, ao passo que seu substituto era a favor.

Quando o suposto assassino, Lee Harvey Oswald, foi detido e, estavam levando-o para prestar depoimento, foi igualmente assassinado em frente à multidão, defronte às câmeras de televisão. Quer dizer, o mundo inteiro assistiu aquilo assombrado. O assassino de Lee chamava-se Jack Ruby e estava com câncer, subentenda-se o sentido.

De qualquer forma, isso representava o que denominamos de “conspiração”, ou aquilo a que damos o nome de “forças ocultas”, ou seja, uma história em que a maioria do povo apoia, embora equivocadamente. No entanto, a verdadeira história é completamente diferente da que foi oficialmente relatada, pois o presidente Kennedy foi morto pelas mãos da máfia envolvida, por força dos proprietários das indústrias de armas, e também para preservar os interesses das Forças Armadas dos EUA. Mas esta história nunca foi contada porque era sigilosa.

  Após o assassinato de Kenedy, as outras autoridades intensificaram o conflito, segundo tudo indica. E, como se sabe, foi uma guerra horrível, onde grande parte dos homens dos Estados Unidos, e dos países aliados, participou com milhares de helicópteros, utilizando napalm e tantas bombas para todos os lados.

 Como se vê, essa guerra não possuía nenhum princípio elevado e resultou em mais de 1 milhão de mortos, entre civis e militares, e o dobro de feridos e mutilados. Ergueram um monumento em Washington em homenagem aos soldados que morreram naquela guerra que, até hoje, representa a expressão da maldade dos homens, que durou por muitos anos.

 

MUHAMMAD ALI

Recordo-me, agora, do caso de Muhammad Ali, que se negou a participar da guerra do Vietnã, diante do seguinte questionamento:

– “Por que me pedem para vestir um uniforme e me deslocar 10.000 milhas para lançar bombas e balas no povo marrom do Vietnã, enquanto os negros de Louisville são tratados como cachorros, sendo-lhes negados os mais elementares direitos humanos? Não. Não vou viajar 10.000 milhas para ajudar a assassinar e queimar outra nação pobre para que simplesmente continue a dominação dos senhores brancos sobre os povos de cor mais escura mundo afora. É hora de tais males chegarem ao fim. Fui avisado de que essa atitude me custaria milhões de dólares. Mas eu já disse isso uma vez e vou dizer de novo: o inimigo real do meu povo está aqui. Não vou desgraçar minha religião, meu povo ou a mim mesmo tornando-me um instrumento para escravizar aqueles que estão lutando por justiça, liberdade e igualdade… Se eu pensasse que a guerra traria liberdade e igualdade a 22 milhões de pessoas do meu povo, eles não precisariam me obrigar, eu me juntaria a eles amanhã mesmo. Não tenho nada a perder por sustentar minhas crenças. Então, vou para a prisão, e daí? Nós estivemos na prisão por 400 anos”.

Ali foi indicado por um júri federal em Houston e após dois dias de julgamento, um júri composto por seis mulheres e seis homens levou apenas 20 minutos para condená-lo à pena máxima de cinco anos de prisão e pagamento de multa de US$10.000,00. Após pagamento de fiança, Ali conseguiu permanecer livre, mas seu passaporte e sua licença para lutar foram confiscados, inclusive perdeu o título de campeão mundial de boxe.

Antes disso, participou das Olimpíadas de Roma, em 1960, e ganhou a medalha de ouro, como campeão mundial de boxe. Ao retornar para os EUA foi homenageado pelas autoridades e tratado como herói. Entrou em um restaurante na sua cidade natal e o funcionário recusou-se a servi-lo. Então ele disse:

– Sou Cassius Clay, campeão olímpico.

Contudo, não adiantou. Naquela época havia forte segregação racial, os espaços eram divididos para que negros e brancos não ficassem juntos. A decepção fez com que jogasse a tão sonhada medalha olímpica no rio Ohio. Durante a época que não podia lutar, Ali percorreu os EUA dando palestras em faculdades. Depois de três anos afastado, ele recebeu licença para lutar em Atlanta, em 1970; reconquistou o título mundial em 1974 e em 1978. Em 1981 parou de lutar.

Não teria sido seu gesto uma grande lição para os jovens americanos e para o mundo? Pois, a maioria morre nas guerras de forma devastadora, sem qualquer razão.

 

UM ABSURDO DA ATUALIDADE

Podemos observar a face da humanidade dos dias atuais. Em todos os países do mundo, os jovens são treinados para não ferirem e não matarem ninguém. Essa é uma lei universal. Porém, quando ocorre uma guerra, por razões desconhecidas, eles são convocados e, teoricamente, não têm chance de recusar, pois podem ser presos e condenados ao pagamento de multas elevadíssimas.

Além disso, durante a guerra ele é treinado para matar outros jovens, igualmente inocentes como ele, como se fosse normal. E se for bastante esperto e matar mais jovens, ganhará uma medalha, ou seja, um pedaço de latão amassado da forma prevista.

Desse modo, quando o comandante diz para avançarem, não importa o que estiver acontecendo, os soldados terão que avançar, correndo o risco de morrerem, e isso é considerado como “baixa”. E muitos deles morrem, porque não há meios de se salvarem. Os soldados são rigorosamente treinados para obedecer às ordens dos comandantes, sem discutir. Portanto, se morrerem, isso será considerado algo natural, que faz os familiares e amigos sofrerem demais.

Quer dizer, em outras palavras, que ele, ao que tudo indica, voltará ao seu país, se conseguir sobreviver, sofrendo graves sequelas físicas e mentais, geralmente, de forma insuperável, e terão de viver de forma enlouquecida.

Como entender uma guerra que foi criada para atender às pessoas que querem ganhar mais financeiramente, e nunca para defender a soberania do país? Entretanto, isso não afetará os resultados financeiros buscados pelos que provocaram tal guerra, que foram enormes.

Será possível esperar que aqueles jovens, que foram treinados desde que nasceram a não machucar nem matar ninguém, depois que participam de uma guerra, voltem e atuem como se nada tivesse acontecido. Eles nunca voltarão a ser pessoas normais. Estão completamente enlouquecidos. Este é um dos maiores crimes da humanidade.

 

AMERICAN SNIPER

Assisti a um filme chamado “American Sniper”, no qual um americano, Chris Kyle, excelente atirador, estava, numa ocasião, designado para ficar no alto de um prédio observando diversas operações que ocorriam nas ruas do Iraque com o objetivo de proteger os soldados americanos.

Havia vários prédios parcialmente abandonados, de onde, às vezes, saíam algumas pessoas que poderiam estar apenas caminhando pelo local. Entretanto, apareciam outras pessoas que carregavam granadas poderosas para lançarem nos soldados americanos, pois eles ficavam em grupos realizando suas atividades naquela região.

Numa determinada hora, apareceu uma moça e um garoto. O atirador percebeu que ela trazia uma granada escondida. Subitamente, entregou-a ao garoto, o qual se movimentou no sentido de lançar a granada nos soldados americanos, mas Kyle, que era excelente atirador o matou. Logo depois, aquela moça correu e pegou aquela granada para lançar nos soldados, então, Kyle rapidamente atirou e a matou. Porém, antes aquela moça conseguiu lançar a granada perto dos soldados, mas ninguém se feriu.

Entretanto, Kyle ficou pensativo, provavelmente pensando no trabalho horrível que teve que executar, embora justificável.

Naquela função, o atirador já havia acumulado cerca de 160 mortes das 255 prováveis. Ele passou a ser conhecido como a “lenda” e também era chamado de “Diabo de Ramadi”. Chris dizia não ter conhecimento do número oficial de mortes, pois contava apenas quantas vidas havia salvado. Ele somente atirava quando não havia alternativa, segundo dizia, ao constatar que a pessoa iria mesmo atentar contra a vida de vários soldados, por isso afirmava não ter remorso pelas mortes que causou.

O atirador dizia que quando fosse perguntado por Deus a respeito daquelas mortes, responderia que foram justificáveis, pois sua missão era salvar a vida de vários americanos. Pergunta-se, nesse caso, se aquele atirador de elite teria infringido as leis universais ou não.

Talvez as tenha infringido, contudo de forma justificada, porque era para salvar muitas vidas. Ele recebeu prêmios pessoais e várias condecorações por ato de heroísmo, bravura e combate. Outrossim, deve-se reconhecer que Kyle hesitava quando tinha que atirar, pois sentia que alguma coisa não estava certa.

Por estranho que pareça, algum tempo depois, ele foi morto por um soldado americano que voltou da guerra com problemas psicológicos gravíssimos, e a quem o atirador estava tentando ajudar a se recuperar. O rapaz que matou Chris Kyle, atirador de elite, foi condenado à prisão perpétua, não obstante. Talvez aquele rapaz tenha cometido atos cruéis durante as batalhas e tenha até ganhado medalhas de bravura, mas, teoricamente, teria enlouquecido.

A dúvida é: por que Kyle foi morto justamente por um soldado americano? Eu não sei dizer. No entanto, fico me perguntando se isso não teria representado algum tipo de sanção. Contudo, minha compreensão poderá estar equivocada. Até onde temos real liberdade de escolha? Portanto, recusar-se a ir à guerra não seria um direito que poderíamos exercer? De outro lado, sabemos que de acordo com a lei dos homens isto não é tão fácil, pois seríamos condenados à prisão e ao pagamento de multas.

Quando analisamos o caso de Chris Kyle, entendemos que se ele não tivesse ido à guerra não teria que matar ninguém, nem mesmo com a justificativa de defender outras vidas. Pergunta-se: onde estará a justiça de Deus? Se perguntarmos o motivo pelo qual a guerra foi criada, saberemos que, na maioria das vezes, teve fins econômico-financeiros apenas, sem nenhuma finalidade de soberania da pátria ou dos cidadãos, mas sim para atender a interesses confidenciais de grupos que querem vender armas, ou comprar petróleo por preços baixos, por exemplo.

 Além disso, os tantos jovens que retornam doentes do campo de batalha estariam levando uma vida normal, conforme lhes foi ensinado? Evidentemente que não. Tudo indica que esse tipo de treinamento levando tantos jovens a serem bons soldados deveria ser substituído por outras formas de resolver as eventuais disputas que ocorrem entre diversos países.

Enfim, pergunta-se:

– É razoável ir à guerra?

É claro que não, pois todos os soldados que sobrevivem e conseguem retornar ao seu país precisam viver com graves sequelas físicas, psíquicas e espirituais sem entender por que uma guerra existiria. Normalmente, nunca entenderão.

Como disse inicialmente, tinha compreendido, há muito tempo, que existiam os fatos reais e os fatos verdadeiros. Numa guerra precisamos saber que nem todos os fatos reais são verdadeiros.  Por exemplo, quando um homem matar outro homem, esse poderá ser um fato real, mas nunca poderá ser considerado um fato verdadeiro, pois contraria a vontade das leis universais, que estão sempre com a verdade.

05 – QUANDO SOFRI UM GRAVE ACIDENTE

NAQUELAS PRIMÍCIAS

Eu havia trabalhado desde meus 11 anos de idade e em 1986 achava que havia trabalhado arduamente, ou seja, trabalhava há 40 anos. Se estivesse no Japão, trabalharia uns 6 anos a mais. Assim, a ideia de uma aposentadoria era algo que parecia interessante. Quando fui nomeado reitor da filial da Fundação Logosófica do Rio de Janeiro, já estava com 48 anos e senti que deveria diminuir um pouco o ritmo do meu trabalho no escritório.

Em determinada época, deleguei muitas atividades para meus auxiliares e vi que tudo funcionava mais ou menos como eu esperava. Na época eu cuidava das questões judiciais do Banco América do Sul e da parte trabalhista. O trabalho era tão intenso que não conseguia mais descansar. Eu não sabia o que esperar. De outro lado, em 1980 dirigi o Congresso Internacional de Logosofia realizado na Fundação Logosófica do Rio de Janeiro. Trabalhamos muito porque visitamos órgãos públicos, embaixadas  e empresas para divulgarmos o congresso. Estudantes do mundo inteiro vieram para cá. Fui reitor da Fundação Logosófica por seis anos, membro do Conselho de Administração e trabalhava bastante, acumulando diversas atividades de todas as áreas. Achava que deveria descansar um pouco.

Além disso, essa ideia de descansar começou a aparecer naquela época porque eu havia comprado um barco em 1985 e estava muito entusiasmado. Pensava que só compravam barcos as pessoas que queriam descansar um pouco. Eu queria ter um tempo maior para mim e para minha família. Foi nesse entremeio que quase morri em um acidente de carro em 1987. Talvez se pudesse dizer que minha vida até então era uma e depois do acidente é outra.

Inclusive, no desenrolar daquele episódio, muitos acontecimentos quase tiraram minha vida em diversas ocasiões como relato a seguir.

 

O ACIDENTE ACONTECEU…

Relembrei que em outubro de 1987 eu havia ido a São Paulo para visitar algumas empresas, pois atuava como consultor jurídico. Haveria um feriado na segunda-feira da semana seguinte e viajei na semana anterior. Atendi uma empresa naquela sexta-feira. Na época eu possuía um veleiro e estava interessado em treinar algumas manobras, por isso retornei de São Paulo na segunda-feira pela manhã, pois achava que na parte da tarde o trânsito estaria bastante congestionado e os trabalhos pendentes em São Paulo haviam sido resolvidos facilmente.

Dessa forma, peguei nosso carro, onde estavam minha esposa Gisele, minha filha Beatriz, meu sobrinho Augusto, e saímos de lá pela manhã bem cedo. Quando estávamos mais ou menos em São José dos Campos, pensamos na possibilidade de ingressarmos pelo caminho de Caraguatatuba, pois queríamos observar as condições do mar daquela região, porque nosso conhecimento para velejar era recente. E assim fizemos. Efetivamente, perto de São José dos Campos, encontramos uma entrada para Caraguatatuba e assim poderíamos observar o mar.

Naquela ocasião, o caminho que pegamos era muito bonito, pois havia muita agricultura bem cuidada. Grande parte da estrada de Caraguatatuba até o Rio de Janeiro não estava pronta, mas nada nos impedia de arriscar passar por lá. Havia uma ilha na região, chamada Ilhabela, que possuía uma escola de navegação e nos interessava conhecê-la. Prosseguimos viagem e depois paramos em um restaurante que existia naquela localidade para bebermos alguma coisa. Conversava muito com minha filha e meu sobrinho, dizia que deveríamos conhecer melhor aquela área porque era muito interessante.

Naquele ponto da viagem começaria uma íngreme descida. Tudo nos parecia normal, o lugar era bonito, bastante verde, bem cuidado e esperávamos ver brevemente a cidade de Caraguatatuba lá embaixo, junto ao mar. Começamos a descer aquela ladeira em uma área montanhosa cheia de curvas. Honestamente, não sei o que aconteceu. Só lembro que comecei a descer, mas, até hoje, não me lembro de mais nada do que ocorreu posteriormente.

 

SOCORROS URGENTES

Algum tempo depois despertei sentindo um travesseiro muito alto embaixo da minha cabeça e estava me incomodando. Perguntei para Paula, minha filha que é médica e estava ao meu lado, o que havia acontecido. Ela então me perguntou se eu não me lembrava de nada e eu respondi que não, e que não sabia o que estava acontecendo. No entanto, senti que todo o meu corpo estava gravemente machucado. Havia um rombo em minha testa, meus olhos estavam tortos e eu não enxergava direito, meus dentes estavam quebrados. Nem dores eu sentia, pois deveria estar medicado com remédios muito fortes. Eu não conseguia me mexer.

Paula foi rapidamente avisar a minha esposa e aos médicos que eu havia acordado e eles chegaram correndo. Não sabia muito bem onde me encontrava naquele momento, não me lembrava de absolutamente nada, nem do que havia ocorrido antes do acidente. Reclamei que o travesseiro estava muito alto, mas os médicos disseram que deveria permanecer naquela posição, pois, caso contrário, eu poderia ter complicações. Meu estado era gravíssimo. Inclusive, orientaram que eu não deveria falar e aplicaram ainda mais remédios em meu corpo. Eu estava com muito sono e dormi, sem perceber. Nem sei o que aconteceu comigo. Acho que os médicos não acreditavam que eu fosse acordar do coma.

Na realidade, estava em um hospital em São José dos Campos e já havia sofrido uma séria cirurgia na cabeça. O médico que me atendeu fez tudo o que era possível para me salvar e não sabia se daria resultados. Mas o meu caso era gravíssimo e urgentíssimo, ele fez praticamente o impossível. Soube depois que o diretor desse hospital era um excelente médico, e havia sido discípulo de um dos mais importantes neurocirurgiões do Brasil, chamado Dr. Virgílio Novaes.

Ele dizia insistentemente que eu deveria ser levado ao Rio de Janeiro para ser tratado pelo Dr. Virgílio, pois eu não iria resistir se continuasse ali, provavelmente morreria devido à extrema gravidade daquele acidente. Na verdade ele nem esperava que eu recobrasse os sentidos naquele momento, pois eu já havia passado alguns dias em coma profundo. Os médicos não tinham nenhuma perspectiva de que eu recobraria a consciência. Ficaram surpresos.

 Relataram-me posteriormente que vinha um carro subindo a estrada, dirigido por um motorista aprendiz que morava naquela região. Se não me engano, era uma caminhonete utilizada para locomoção apenas no meio rural e ia para a estrada eventualmente. Ele estava dirigindo em alta velocidade, e bateu de frente no meu carro, diretamente em mim. Nessa batida Gisele quebrou a costela, todos estavam apavorados, sem saber o que fazer, quando, de repente, passou o carro da Polícia Rodoviária Federal e os policiais viram o acidente. Eles rapidamente me colocaram na viatura  junto com minha esposa, minha filha e meu sobrinho. Levaram todos nós ao pronto socorro da cidade de Caraguatatuba. Quando o médico me viu ficou apavorado, prestou os primeiros socorros e afirmou aos policiais que eu deveria ser transferido com urgência para o hospital de São José dos Campos, pois ele não estava preparado para me atender, eis que nem tinha qualquer material para isso.  E assim foi feito. 

Quer dizer, desde o momento em que sofri o acidente, até ser realmente atendido, passaram-se algumas horas e todos achavam que eu não resistiria, pois eu estava com um buraco em minha cabeça, e com todo o corpo machucado. Somente o segundo médico, em São José dos Campos, conseguiu fazer uma cirurgia na qual retirou muitos cacos de vidro que estavam dentro da minha cabeça, além disso, retirou uma parte do meu cérebro, pois estava despedaçado. Na verdade aquele médico fez praticamente um milagre, porque o hospital não possuía estrutura adequada para aquele procedimento complexo. Ele informara que provavelmente ainda haveria mais cacos de vidro em minha cabeça e insistiu para que eu fosse transferido com urgência para o Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro, onde Dr. Virgílio Novaes trabalhava e era altamente competente. Aquele médico havia sido assistente do Dr. Virgílio. Alertou que eu deveria ser transferido por avião, pois não haveria condições de seguir em uma ambulância.

 

EU NÃO DESPERTARIA, PROVAVELMENTE

Soube posteriormente que Paula e Temístocles foram de carro para São José dos Campos para me prestar todo o tipo de assistência. Segundo o relato de Paula, após Temístocles ter me visto, ele telefonou para seu irmão, que também era médico, e afirmou que meu estado era gravíssimo, com certeza não resistiria, morreria a qualquer momento. Temístocles relatou que admirou o posicionamento de Paula, pois mesmo sabendo que eu estava gravemente ferido, nunca perdeu a esperança de que fosse me recuperar. Pelo conjunto dos acontecimentos eu deveria ter morrido naquela ocasião, mas por alguma razão que não sei explicar, isso não ocorreu. Igualmente, deveria ter ficado com gravíssimas sequelas, o que também não aconteceu.

Na época eu era membro do Conselho de Administração de Logosofia, o mais alto cargo na obra, e também era reitor da Fundação Logosófica do Rio de Janeiro. Os condiscípulos de Belo Horizonte, bem como os de São Paulo e os do Rio de Janeiro, ficaram preocupados comigo. A família do Tyrone, meu primo, soube do ocorrido e foi correndo para São José dos Campos, pois morava em Atibaia. As filhas dele são médicas e até hoje vivem naquela cidade. Meu irmão Roberto, que mora em Ribeirão Preto, foi correndo para o hospital. Vários discípulos da obra logosófica, que eram médicos, foram me ver, porém, eu estava em coma.

 

PAULA SALVOU MINHA VIDA

Houve uma grande discussão naquela ocasião, pois Roberto insistia para que eu fosse transferido para um dos melhores hospitais de São Paulo, o Einstein, porém Paula queria que eu fosse para a clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, onde o Dr. Virgílio trabalhava. A maioria das pessoas morava em São Paulo e insistia para que eu fosse transferido para o Hospital Albert Einstein. Contudo, de repente, Paula tomou as rédeas da situação e afirmou peremptoriamente que eu seria transferido para o Rio de Janeiro, e aquilo já estava decidido, não aceitaria nenhuma interferência. Não obstante, todos afirmaram que ela havia tomado uma decisão altamente equivocada, porém Paula continuou firme em seu propósito.

Depois que tudo passou, analisei aquela situação e tive a certeza de que sua decisão foi imprescindível para salvar minha vida. Ela e Temístocles alugaram um avião para que eu fosse transferido para o Rio de Janeiro e mais situações problemáticas ocorreram, principalmente na hora de colocarem a maca dentro do avião. Quando conseguiram me colocar no avião, tivemos que aguardar para decolar, pois havia algum evento importante e o aeroporto estava cheio. Aguardamos por umas duas horas. Posteriormente, Paula me contou como foi dramática aquela viagem, pois além do piloto, havia o copiloto, aparentemente um aprendiz. Para o avião subir foi um drama, pois parecia que não conseguiria. A viagem ao Rio de Janeiro foi outro drama, pois toda hora ocorria algo que os nos colocava em risco. Sempre que o aprendiz botava a mão em alguma coisa, o piloto batia nela, dizendo que se fizesse aquilo o avião cairia, e outras coisas dessa natureza. Paula achou que dificilmente chegaríamos devido aos riscos que corremos durante aquela viagem.

 

AO CHEGAR AO RIO DE JANEIRO

Quando finalmente chegamos à clínica no Rio de Janeiro, Dr. Virgílio, ao constatar o estado debilitado no qual me encontrava, afirmou que não poderia me operar até que eu melhorasse substancialmente, pois meu corpo não aguentaria uma cirurgia tão complexa. Ele disse que eu deveria ficar em casa e assim que eu melhorasse marcaria a operação. Levaram-me para casa, no entanto, a cada dia que passava, eu piorava cada vez mais. Estava muito mal, não aguentaria esperar mais e disse a minha esposa que queria ser operado urgentemente, mesmo sabendo que poderia morrer durante a cirurgia. Assim, embora eu não estivesse em condições favoráveis para ser operado, Dr. Virgílio concordou em realizar a operação, porém, informou a Gisele que cabia a ela tomar a decisão de autorizar aquele procedimento, pois meu estado de saúde era gravíssimo e seria muito perigoso.

Desse modo, fui operado no dia seguinte e Temístocles, que era namorado da Paula na época, assistiu a cirurgia. Relatou-me posteriormente que parecia que o médico havia passado um pente fino em meu cérebro para retirar todos os cacos de vidro que se encontravam dentro da minha cabeça. Ficou impressionado com a destreza e eficiência do Dr. Virgílio, um médico brilhante, que havia realizado uma cirurgia muito especial, como somente os grandes especialistas conseguem. Fiquei internado no São Vicente vários dias para me recuperar daquela complexa cirurgia. Tudo indicava que eu deveria melhorar, entretanto as dúvidas persistiam. Estava tomando uma série de remédios por via venosa, como o Hidantal, por exemplo.

A equipe da administração constatou equivocadamente que eu poderia mudar de quarto para outro paciente, considerado muito importante, utilizá-lo. Obviamente, minha esposa recusou peremptoriamente que eu fosse transferido, reiterando a gravidade do meu estado de saúde. Porém, Gisele precisou se ausentar rapidamente do hospital, o responsável pela administração retornou ao meu quarto afirmando que recebera instruções para realizar a transferência e realizou a mudança de quarto.

 

QUASE MORRI POR VÁRIAS VEZES

Entretanto, todo o drama ocorreu porque o gotejamento de Hidantal deveria ser lento, mas o remédio passou a ser liberado rapidamente em minhas veias e, quando cheguei ao outro quarto, subitamente comecei a sentir que ia morrer. Foi uma correria terrível. Nesse momento, Gisele chegou e diante daquela situação desesperadora saiu correndo para buscar os médicos, porém eles já estavam vindo. Eu poderia morrer ali, como estava, para isso, bastava abraçar Gisele, queria urgentemente que ela chegasse perto de mim. Queria gritar para que viesse para perto de mim, mas não conseguia falar. Então fiz um gesto para que Gisele se aproximasse para poder abraçá-la.

Os médicos chegaram, por sorte um deles era assistente do Dr. Virgílio e  estava a par do meu estado. Quando ele me viu, imediatamente levantou minha cabeça, com urgência. Eu achava que ia morrer, pois não conseguia mais respirar, senti naquela hora que não tinha mais jeito. Porém, voltei a respirar no mesmo instante que o médico ergueu minha cabeça, e vomitei naquela hora. De repente, senti que minha vida estava voltando, pois, na realidade eu sentia que estava morrendo. Foi uma grande correria. Quando tudo se acalmou pude entender que aquela atitude daquele médico foi essencial para salvar minha vida.

Posteriormente perguntamos por que teria feito aquele procedimento e ele nos explicou que o remédio Hidantal era muito forte, por isso a dosagem deveria ser baixa. Entretanto, durante o procedimento de mudança de quarto, a quantidade foi aumentada demasiadamente e a medicação começou a ir para o meu cérebro. O fato de levantar minha cabeça fez com que o remédio descesse, por isso fui salvo. Aquilo foi vital para que eu continuasse vivo. Se o médico demorasse mais um segundo, provavelmente eu estaria morto.

Depois de algum tempo, retornei para casa e me recuperei de todo aquele processo. Foi um período difícil, pois precisaria me preparar para a terceira cirurgia onde seria colocada uma placa cirúrgica em minha testa. Depois de alguns dias em repouso já conseguia andar pela casa, mas meu corpo ainda estava muito abatido, não me alimentava bem, sentia-me mal. Naquela ocasião, pensei muito no motorista que causou aquele acidente e prometi a mim mesmo que não faria nada contra ele.

 

O ESPÍRITO É O VERDADEIRO SER

Durante o tempo em que fiquei internado, em São Paulo e no Rio de Janeiro, tive algumas sensações interessantes. Algumas vezes sentia meu espírito livre, como se desprendesse do corpo e o observasse. Não me reconhecia, parecíamos seres diferentes, pois a sensação de leveza do espírito é inexplicável. Percebi então que estamos dentro de um frágil e efêmero corpo físico, com estrutura animal. Naquele momento, soube que sem o espírito não somos nada. Constatei que o espírito é o verdadeiro ser e o corpo é apenas um invólucro.

Naquela época estava estudando o papel do espírito no ser humano. De repente, comecei a entender que o espírito era o único vínculo que tínhamos com Deus. Isso ocorria em uma longa existência e não apenas em uma simples vida. O espírito, na realidade, é o maior herdeiro dos nossos acertos e desacertos. Em outras palavras, ele nos conduz pelos caminhos da redenção humana realizando o bem por força de nossa vontade durante nossa vida, procurando, de outro lado, corrigir os erros cometidos.

Entendo que o ser humano nasce com as características acumuladas pelo seu espírito durante sua existência. A compreensão do espírito é o verdadeiro caminho para aproximarmo-nos de Deus. Somos responsáveis pelos problemas no mundo e sofremos os efeitos das regras impostas pelas leis universais. Após aquele acidente pude constatar que o valor do espírito se sobressaía ao do corpo físico. Pressenti, não sei se equivocadamente, que todo ser humano deveria realizar algo que marcasse positivamente sua vida na Terra, pois morremos, mas nossas descobertas e as obras que deixamos são de importância fundamental para a humanidade. Estranhamente, após aquele gravíssimo acidente, no qual meu corpo ficou gravemente ferido, descobri que não fiquei com sequelas e que poderia continuar vivendo normalmente.

Passado algum tempo, estive com o oftalmologista Paulo Nakamura para ver se meus olhos poderiam voltar ao normal, pois estava estrábico, não enxergava direito. Ele analisou e disse que poderia tentar corrigir meu problema através de cirurgia, mas afirmou que, diante dos estudos a respeito, sabia que a própria natureza se encarregaria de corrigir meus olhos. E isso ocorreu depois de algumas semanas, apenas precisei fazer novos óculos. Também precisei corrigir todos os meus dentes e tive vários outros problemas que não poderia dizer que foram graves diante do ocorrido. Por exemplo, tinha muita coriza e fui a diversos médicos para tratar a questão.

Estive com Dr. Virgílio e sua equipe várias vezes antes de realizar a terceira e última cirurgia, daquela vez para colocar a placa cirúrgica em minha testa, pois havia um curativo e eu viva reclamando a respeito. Numa dessas vezes o assistente do Dr. Virgílio realizou um procedimento que sanou aquele incômodo de maneira relevante até a cirurgia. Um grande problema que enfrentava era não conseguir me alimentar. Além disso, me esqueci de várias situações ocorridas antes do acidente, pois minha memória recente ficou abalada por algum tempo. Minha filha e seu namorado estavam cuidando do nosso escritório de advocacia.

06 –  TOSHIWO DOKO

Nas anotações realizadas em 17 de janeiro de 1969 escrevi o seguinte texto: “Ontem, aqui na Ishikawajima do Brasil – Estaleiros S.A., Ishibras, comemoramos os dez anos de sua existência no país. Na realidade a data oficial era 02 de janeiro, porém como o Sr. Toshiwo Doko, Presidente do Conselho Diretor da IHI – Ishikawajima-Harima, viria do Japão especialmente para participar das comemorações, estas foram postergadas. Ele foi Diretor Presidente da IHI quando a Ishibras foi implantada e foi realmente o homem chave para a existência desta empresa aqui no Brasil.”

Como eu havia ingressado na Ishibras em setembro de 1959, o via de vez em quando, pois ele aparecia com alguma frequência naquela empresa. Eu tinha na ocasião 23 anos de idade e nada sabia sobre aquele homem. No entanto, naquela época foi dito que ele estava aplicando aquela regra estipulada, ao que tudo indica, por sua decisiva colaboração, de instalar fábricas nas terras consumidoras de seus produtos para evitar a importação de grandes equipamentos como carros, navios, entre outros, dos países produtores como o Japão. Ele estava dando o exemplo, pois possuía mente globalizada. Outrossim, os operários dos EUA estavam ficando sem seus respectivos empregos e havia uma grande disputa entre eles para evitar qualquer importação, pois queriam produzir em seu próprio país. Soube depois que Doko havia resolvido, de forma soberba, aquele grande impasse. Por tudo aquilo que representou ele passou a ser muito admirado por mim.

“Após os discursos de praxe em reunião de campo aberto na oficina, da qual participaram todos os funcionários, plantaram uma árvore, creio que “Pau-Brasil”, e serviram um coquetel. Então sucedeu um pequeno fato digno de ser analisado, ou pelo menos, anotado. Muitos dos funcionários da Ishibras são remanescentes antigos da IHI, onde durante décadas o Sr. Doko foi um grande capitão, saído de fileiras modestas, até alcançar culminâncias fora do comum, com projeção internacional, e vir a ser considerado um dos maiores capitães de indústria do mundo.

Dentre os antigos funcionários da IHI, que trabalharam junto com Sr. Doko em décadas passadas, alguns se encontram na Ishibras. E ontem, quando estava deixando o coquetel de confraternização para cumprir outra etapa de seus compromissos, o Sr. Doko, cercado por todos os seus convidados, pareceu deparar também com uma modesta figura, um pouco mais jovem do que ele, entretanto na casa dos 60 anos, com faces marcadas pelas dificuldades da vida. E, de repente, Sr. Doko caminhou em direção a esse ser de mão estendida para cumprimentá-lo. Foi um abraço, se não muito efusivo, pelo menos espontâneo e tocante. Mas não terminou com simples aperto de mãos. Sr. Doko olhou-o, viu os cabelos já grisalhos do antigo auxiliar e, como se dissesse “você também envelheceu, hein, meu velho?”, passou a mão na cabeça dele. E ia voltar para ir embora.

Contudo, o velho funcionário, sem titubear um só instante, passou a mão na cabeça careca do Sr. Doko e todos riram, mas não foi um riso de chacota ou de graça. Foi um riso comovido. Sentimos que aquele foi um gesto extremo de um velho funcionário que desejava demonstrar, antes de morrer, sua admiração, e talvez sua gratidão por um velho líder, que foi seu companheiro de lutas durante muitos anos e veio a se projetar no cenário mundial como grande industrial. Gratidão pelo gesto de reconhecimento de um humilde funcionário por parte de um grande homem. Foi emocionante.”

Outrossim, Jean-Jacques Servan-Schreiber publicou no livro “O Desafio Mundial”, em 1980, o seguinte texto sobre Toshiwo Doko, das páginas 257 até 271, e gostaríamos de transcrever alguns trechos:

 

“O ENVIADO DE DOKO A PARIS

…Raros são os homens de governo que têm o espírito “em férias”. De todos eles talvez o mais preocupado seja o senhor do poderio econômico japonês, o chefe do “Keidanren”, Federação Nacional das Indústrias Japonesas, Toshiwo Doko, 84 anos, presidente de honra, ao lado de seu sucessor, Inayama.

Seu enviado especial chega a Paris, portador de um alentado relatório de 280 páginas, intitulado A Revolução Científica e a Sociedade de Informação. Preparado sob ordem e orientação de Doko, redigido em cinco semanas por seis equipes paralelas, o documento é entregue ao pequeno “grupo de Paris”, homens que exploram juntos, metodicamente, a melhor maneira de pôr outra vez em marcha um mundo que o medo paralisou.

O lugar-tenente do patriarca Doko é um dos seus mais íntimos colaboradores: Masaki Nakajima, presidente do Instituto de Pesquisa Mitsubishi.

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Doko sabe, todos eles sabem, que a energia básica, o petróleo, deixou de ser barata e durável; que tudo aquilo que construíram deve ser reconstruído a partir de uma outra matéria-prima: a informação, a comunicação, o pensamento. Sabem também que vai ser preciso, desta vez, sob pena de tragédia e malogros, partilhar com os outros, com todos os outros.

Doko está pronto. O Japão o pressente. A Europa e os Estados Unidos tremem um pouco. Mas não há alternativa. A OPEP cobrou as duplicatas… A ninguém é lícito esquecer que seus membros detêm por vários anos ainda, e anos cruciais, tanto a chave da energia quanto a dos investimentos – e a única resposta possível é de ordem tecnológica e de âmbito mundial. Da crise há que tirar a oportunidade.

 

RUMO AO EMPREGO

Em nenhum momento, a metódica trajetória ascendente do poderio japonês teve segredos para Doko. Engenheiro formado pelo Instituto de Tecnologia de Tóquio e aperfeiçoado na Suíça, na fábrica de turbinas de Brown-Boveri, ele assume, em 1950, a responsabilidade do setor naval de uma das empresas que renasceram no Japão logo que o país emergiu da derrota: a da Ishikawajima-Harima. O Brasil, desejoso de tornar-se potência exportadora, decide adquirir uma frota mercante moderna. Doko obtém contrato de construção de dois grandes cargueiros rápidos. Estão prontos quatro anos depois.

Sobrevém, a essa altura, um acontecimento que o engenheiro não tinha previsto e que decidirá a sua carreira. Os pilotos brasileiros de um dos navios gigantes entregues pela Ishikawajima cometem um erro de navegação à saída do porto e esmagam seu barco contra o cais. Mas é o cais que fica avariado. O cargueiro sofre apenas pequenos arranhões. E já no dia seguinte pode fazer-se ao largo. Começa a ascensão da construção naval japonesa. As encomendas afluem. Em dez anos, a penetração dos japoneses nesse campo será tal (Ishikawajima à frente) que de dez barcos saídos de estaleiros no mundo, oito são japoneses.

Quanto ao Brasil, vai direto ao alvo: pede a Doko e à sua empresa que criem uma indústria naval no Brasil.

Assim nasceu a “Ishikawajima do Brasil”, que associa capitais e engenheiros brasileiros e japoneses em torno dos melhores técnicos vindos de Yokohama para treiná-los. É hoje a principal sociedade de construção naval da América do Sul. O governo de Singapura, ciente da aventura brasileira e da rapidez do seu êxito, deseja contrato semelhante. Doko decide: “Assumo a responsabilidade”. Em 1963, o jovem “Jurang Shipyard”, que bate em produtividade e em curso até mesmo os estaleiros japoneses, torna-se o mais moderno do Sudeste da Ásia e disputa com sucesso a freguesia da Ishikawajima-Harima. Mas já Doko vai em frente: pretende levantar na Amazônia uma fábrica de alumínio que se transformará na primeira rival das gigantescas fábricas americanas. A ascensão continua. E Doko começa a encarnar a própria aventura japonesa. Entrevistado pela imprensa durante uma estadia em Nova Iorque, declara, no fim dos anos 60:

“Não temos recursos naturais nem poderio militar. Temos um único recurso: a capacidade de invenção dos nossos cérebros, que é ilimitada. Cumpre, então, usá-la. Cumpre educar, treinar, equipar. Essa capacidade mental se fará em futuro próximo, e pela simples natureza das coisas, o bem comum mais precioso e mais fecundo da humanidade toda”.

Doko já pressentiu que a universalização se impõe. Está vinte anos à frente dos outros, na sua visão do futuro, na sua fé na invenção científica. Por isso mesmo deixa a Ishikawajima, e o setor banalizado da construção naval, por uma das novas indústrias que vão levar o Japão ao seu zênite: a eletrônica. É chamado a fazer parte do conselho de administração da Sociedade Toshiba (que rivaliza com Hitachi, Matsushita e Sony) e torna-se seu presidente. Vai fazer da Toshiba, das suas calculadoras, dos seus transístores, dos seus circuitos, dos seus sistemas de comunicação, uma empresa mundial. Depois disso, o posto supremo lhe é, naturalmente, oferecido: o comando do Keidanren, da própria máquina econômica japonesa e da sua estratégia.

Embora à frente de um exército de industriais e cientistas, Doko permanece, para o público japonês, um homem discreto, quase desconhecido. Sabe-se apenas seu nome, conhecem-se os seus sucessos. Nada ou quase nada se conhece da sua vida privada. Até o dia, em 1976, em que a polícia visita a sua residência. Por ordem do governo, está em curso, já há uma semana, uma rigorosa investigação para descobrir os possíveis implicados, tanto no serviço público como no mundo dos negócios, em um desses escândalos financeiros que, a intervalos regulares, estouram devido à extrema imbricação das multinacionais, dos sistemas fiscais internacionalizados, dos conglomerados das grandes indústrias de armamentos, etc.

No endereço que lhe deram, o chefe da equipe policial encontra apenas um pequeno pavilhão, cuja porta de madeira abre diretamente para a rua. Procura, em vão, a entrada para a mansão da família Doko, que acredita adivinhar, ao fundo, protegida por uma cortina de árvores. Toca a campainha. Uma velha aparece, com roupas caseiras. São 7 horas da manhã. O inspetor lhe pede a gentileza de mostrar-lhe o caminho para “a villa do presidente Doko”.

“Não há nenhuma villa Doko”, responde a mulher. “Sou a Sra. Doko. É aqui mesmo que moramos”.

“Poderia, então, a Sra. Doko pedir a seu marido que os recebesse?”

“Oh”, responde ela, “ele já saiu há muito tempo. Costuma tomar o trem das seis e meia da manhã para ir para o escritório. Poderiam voltar amanhã? Antes das seis horas é certo encontrá-lo”.

Doko tinha, então, oitenta anos, e presidia o Keidanren havia dois. O relatório do policial encerrou o “inquérito sobre Doko”, que beirava ao ridículo. A história logo se espalhou em Tóquio. Reproduzida pelos jornais, difundiu a formidável imagem desse homem, calado, modesto e austero, no auge do seu poder. O Japão tomou-o por modelo, adotou-o. Doko se converteu em um personagem lendário, em um símbolo: uma nova espécie de imperador, talvez próprio para a era dos computadores e da economia de combustível…”

 

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Li, outrossim, um belíssimo comentário feito por Paulo Yokota que, como todos sabem, é um homem importante para o Brasil. Ele escreveu em seu blog Ásia Comentada a respeito de Toshiwo Doko, e gostaria também de transcrever devido a beleza de seu texto:

 

“CAPITÃES ASIÁTICOS DA INDÚSTRIA

Em qualquer economia, um fator fundamental para promover o desenvolvimento são os grandes empresários, que costumam ser chamados de “capitães de indústria”. No Japão, um se destacou como grande amigo do Brasil e foi primordial para o estabelecimento de um intercâmbio bilateral vigoroso. Chamava-se Toshiwo Doko e quando faleceu tinha a condecoração máxima de 27 países, inclusive o Cruzeiro do Sul no grau mais elevado.

Apesar de sua grande importância, era um homem simples, mas excepcional, com um comportamento pessoal que despertava a mais merecida admiração de todos que tiveram o privilégio de conviver com esta personalidade. Escovava o chão de sua casa e não permitia que o motorista o apanhasse quando ia trabalhar aos sábados, utilizando o metrô.

Todos os seus honorários eram religiosamente entregues, integralmente, para a sua esposa, que os destinavam aos trabalhos de uma escola que dirigia para pessoas com necessidades especiais. Em sua homenagem, a semente básica de soja desenvolvida pela Embrapa leva o seu nome, a variedade “Doko”.

Ele foi presidente da Ishikawajima-Harima, e foi também designado presidente para recuperar a Toshiba quando esta enfrentava dificuldades. Chegou a presidente do Keidanren – a poderosa Federação das Organizações Econômicas do Japão. Forjado no espírito da Era Meiji, formou-se pela Universidade de Tóquio. Seu primeiro trabalho, ainda em 1914, foi a instalação de uma usina hidroelétrica na Coreia.

No Brasil, ajudou na viabilização da Usiminas e, quando o presidente Juscelino Kubitschek lançou o Plano de Metas, instalou os estaleiros da Ishibrás, com capacidade para lançar anualmente mais de 1 milhão de TDW de navios, um projeto inédito no mundo, que o Brasil não foi capaz de preservar. Durante os conturbados anos que se seguiram à renúncia de Jânio Quadros, ajudou a manter o entendimento da Companhia Vale do Rio Doce com as siderúrgicas japonesas. Seu último trabalho, depois de dezenas de viagens pelo Brasil, foi ajudar a viabilizar o Projeto Carajás.

Quando ele participava de uma missão do Keidanren, que visitava a construção da Transamazônica, fui despertado de madrugada no acampamento em que estávamos, com seus auxiliares alvoroçados, pois ele tinha desaparecido. Fomos encontrá-lo no alto de uma gigantesca árvore, esperando o alvorecer na floresta amazônica.

Levei-o para uma visita ao projeto Itaipu, quando ainda estava em construção. Ele fez questão de percorrer toda a obra, examinando os seus detalhes. Ele, que conhecia todas as grandes hidroelétricas do mundo, deixou registrado no livro de visitantes: “Parabéns à engenharia brasileira, é a melhor tecnologia que vi em todo o mundo”.

Doko foi o meu “guru” sobre a Ásia e a vida. Sempre que visitava o Brasil, eu tive o privilégio de acompanhá-lo. Apesar de muito importante e atarefado, sempre que visitei o Japão ele me concedeu um tempo para me ensinar as lições mais valiosas que recebi. Ensinou-me uma coisa que não me ajudou: “Paulo, trabalhe, trabalhe, não pense em dinheiro, pois o mínimo para comer sempre surgirá de algum lugar”. Continuo só remediado…

Segredou-me que gostaria de ser enterrado no Brasil, o que não foi possível. Precisamos de empresários do seu quilate.”

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